Meu gato não me escolheu
A tal crença de que “O gato vai me escolher ” torna difícil a adoção de gatinhos tímidos, traumatizados ou assustados. Vale muito conquistar o amor de um coraçãozinho peludo que vai te retribuir com gratidão.
A HISTORIA DE BEBEL por Samantha Goeldi

Espero que nossa experiência mostre o quanto é gratificante e gostoso adotar um gatinho, medroso, arisco, ou muitas vezes até agressivo, mas que com muito amor e paciência, tudo acontece e tudo muda, e ai é só alegria, pra todos.
Na minha casa sempre fizeram parte da família cães e gatos de todo o tipo, de todas as cores e com diferentes historias. Mas foi quando me mudei da casa da minha mãe que tudo começou. Eu e meu namorado decidimos morar juntos, juntar os trapos, como dizia minha avó. Vim morar em um apartamento, novidade total para uma menina acostumada com casa e quintal, e um monte de cães e gatos (na casa da minha mãe eram 9 gatos na época).
Passado um tempo, eu chegava em casa e ficava sentindo falta de algo, como se ainda não estivesse completo, um vazio. Meu namorado viajava muito por causa do trabalho, e eu ficava sozinha boa parte do tempo. Então decidi adotar um bichinho, como moro num apartamento e ficamos fora boa parte do tempo, um gato seria muito mais apropriado (tenho pena de cachorro em lugar pequeno, sem espaço pra correr!).
Começou aí minha busca por um gatinho. Olhei muitos sites, mas acabei decidindo pelo CCZ, porque achei que lá com certeza tinham gatinhos mais necessitados de um lar. A visita ao CCZ não foi nada boa, é um lugar deprimente, onde os gatos ficam em pequenas gaiolas, sem nada para deitar, sem areia higiênica, sem brinquedos, nada, somente um pouco de jornal no chão, um cheiro de remédio e cloro no ar.
Enquanto andávamos pelo corredor entre as gaiolas dos gatos pensava em como poderia escolher um gato, no meio de tantos, e a maioria deles vinha até a grade, e se esfregava, miava, pedindo para ser levados dali. Foi no meio destes que vi pela primeira vez Bebel, (confesso que vi a foto dela no site antes, mas ainda não sabia se seria ela a gata escolhida). Ela me olhou com aqueles olhos verdes enormes, com uma cara séria e parecia não acreditar na possibilidade de ser escolhida no meio de tantos gatos carinhosos e ronronentos. Por que alguém em sã consciência pensaria em adotar aquela gata de cara fechada e ainda por cima adulta? Ela tinha 9 meses quando a adotei.
Pois ela não sabia nada sobre mim. Foi no meio de um monte de outros gatos, que até hoje estão em meu pensamento e nas minhas preces, que eu resolvi adotá-la. Então, falei pro senhor que toma conta da ala dos gatos que tinha escolhido o animal.
Quando falei que levaria “aquela” gata, qual não foi a minha surpresa ao ouvir daquele senhor que ela era brava e, por isso, era melhor não ser adotada. Ao contrário do que ele pensava, isso só me deu mais certeza de ter feito a escolha certa, se não fosse eu, que já tinha tido gatos antes, que estou acostumada com animais desde pequena, quem seria a adotante ideal para uma gata difícil como ela?
Fui teimosa, disse que queria “aquela” gata e que se ele não permitisse a adoção, gostaria de falar com algum dirigente do local. E com a cara mais lavada do mundo aquele senhor disse para mim que se eu conseguisse pegá-la, tudo bem, mas ele não me ajudaria.
Pois bem, lá fui eu abrir a gaiola da gata. Confesso que na hora, não hesitei, estava mesmo era querendo mostrar para aquele senhor que TODOS os gatos merecem ser adotados, e não somente os “mansos”, ou os que ele julga mais fácil. Não preciso nem dizer que consegui, é claro, pois escrevo aqui a historia dela, mas foi com muito sangue nos braços, mordidas e arranhões, gritos e muito fuuuuuuuuuuuuuu…Colocada a gata na caixa, eu tentava fazer meu braço parar de sangrar, enquanto preenchia o cadastro. (rs)… Dentro do carro, já indo para casa, a gata se batia na caixa, fazia fuuuuuuuu que nem louca, miava alto, parecia uma jaguatirica enjaulada. Uma selvagem!!
Chegamos em casa, era um sábado, abri a caixa de transporte, arrumei tudo bem pertinho dela, e esperei que ela saísse. E como esperei. Esperei e esperei. Demorou uma semana para que conseguisse ver a gata fora da caixa. Ela só saia no meio da noite, e quando não estávamos em casa. Ela recebeu o nome de Rebeca, mas daí para Bebel foi um pulo, agora é Bebel pra todo lado.
Depois da primeira semana dentro da caixa de transporte, ela encontrou um lugar pra ficar, onde ainda se sentia segura, mas que tinha visão da cozinha toda, atrás da geladeira. E lá ela ficou, durante uns dois meses, olhava para mim enquanto eu cozinhava, mas se eu me aproximasse dela já sabe, era o fuuuuuuuu, (rs). Só comia e usava a caixinha no meio da noite.
Respeitei a dificuldade dela, pois não sabia por quais situações difíceis já tinha passado. Como confiar em alguém depois de viver coisas horríveis? Passar fome, frio, ser maltratada, isolada das pessoas, confinada em uma gaiola. Entendi que ela precisava de tempo pra entender que eu era uma pessoa que nunca lhe faria mal algum. Em nenhum momento tive dúvidas sobre minha escolha, ou me arrependi, sabia que era uma questão de paciência, e ser compreensiva com ela, essa foi a maneira que encontrei de conquistá-la.
Sabe quando alguém te ama apesar de todos os seus defeitos e limitações? Então, era isso que estava fazendo.
O tempo foi passando e ela começou a ficar na porta da cozinha para poder ver onde nós estávamos e o que fazíamos. Até que um dia, já com uns quatro meses de convivência, ela chegou bem pertinho, sentiu o cheiro e deitou do lado do meu pé. Como se ela quisesse dizer que agora estava pronta para começar uma nova etapa. Foi neste momento que se deu uma chance e confiou mais uma vez nas pessoas. A espera foi longa, mas pra mim foi uma confirmação de tudo que eu acredito. Acredito que todos os gatos merecem uma chance, e que se a chance vem na hora certa, do jeito certo, não tem como dar errado.
Depois disso a Bebel foi ficando cada vez mais mansa e carinhosa conosco, confiando mais e mais a cada dia, foi se deixando tocar, começou a ronronar, e por incrível que pareça, depois de uma longa e ansiosa espera, numa tarde fria de inverno deitou no meu colo e dormiu como um bebezinho, como um gatinho que sabe que é amado, e que ninguém lhe fará mal algum. Foi uma vitoria!!
É claro que é muito bom ter um gato fofinho, que é carinhoso logo de cara, mas a sensação de conquistar um bichano que não acreditava mais na relação homem-gato, é uma coisa das mais emocionantes que já senti. Na época achava que estava mudando a vida dela, levando ela daquele lugar horrível, mas hoje vejo que estava mudando a minha. Chegar em casa agora é uma alegria, ter sempre uma carinha fofa de olhos grandes e verdes fazendo companhia enquanto assisto TV, ou fico no computador, dormir com um gatinho quentinho no inverno, que esquenta a cama, é tudo de bom. Sempre achei que as pessoas mais difíceis de amar, são as que mais precisam de amor, e acho que isso acontece também com os gatos.
Aqui em casa agora são três bichanos, todos resgatados da rua, com suas historias, particularidades, limitações e experiências anteriores, mas são todos respeitados, cada um do seu jeito, cada um com sua bagagem!
Hoje, pensando nessa historia, acho que no inicio a Bebel não achava que ela merecia um lar, acho que ela se achava uma gatinha sem graça, estava sem esperanças de sair daquele lugar, que nunca encontraria alguém com tempo pra esperar o melhor dela, e por esse motivo, era tão agressiva e difícil. Tinha medo de ficar esquecida lá até Deus sabe quando.
Foi o que eu vi naqueles olhos verdes e grandes, uma descrença enorme, e minha vontade adotá-la também era a de mostrar pra ela o quanto ela estava enganada, e que a nossa sorte pode mudar pra melhor a qualquer momento. Hoje nos olhos dela vejo amor, gratidão, confiança.
A Bebel agora tem uma família com mãe, pai, dois irmãos levados da breca, uma casa quentinha, comida boa, areia na caixinha. É a filhota da mami.